Qualidade do leite

SABOTADORES DE PRODUÇÃO

Relacionados ao bem-estar animal

Quando falamos em bem-estar animal, devemos entender a base desse conceito que, atualmente, vem sendo amplamente debatido, principalmente em virtude da ação de diversos grupos, entidades e pesquisadores que desenvolvem métodos de aferição desse bem-estar e seus efeitos.

Torna-se importante ressaltar que, além de ser um compromisso moral e ético de, como Ser humano eu buscar o bem-estar dos animais, é também uma forma de atingir melhores índices de produção.

Conceitualmente, bem-estar animal é a relação entre o seu estado no momento e a capacidade/necessidade de se adaptar ao ambiente (BROOM e MOLENTO, 2004), ou seja, entendemos que a cada ambiente em que o animal se encontra e, também em diferentes momentos, fisiologicamente esse organismo terá que ser adaptar. Agora o quanto esse animal tem condições de adaptação ou, quanto nós por ações externas ajudamos ou pioramos a condição de adaptação desse animal, é o que vamos considerar bem-estar.

Fica claro que, quando buscamos atingir melhores situações de bem-estar animal nos sistemas produtivos de leite, além cumprir com um papel natural, vamos atingir melhores índices produtivos (SILVA et al, 2019), pois as características de BEA levam ao aproveitamento melhor dos princípios fisiológicos do animal e, por conseguinte, melhor eficiência.

Por isso, quando tratamos do bem-estar animal, de maneira geral nos deparamos diante dos indicadores, que de forma simplificada são conhecidas como as 5 liberdades, entre as quais, podemos citar:

  • Livre de medo e estresse
  • Livre de dor e doenças
  • Livre de fome e sede
  • Livre do desconforto
  • Livre para expressar seu comportamento natural.

(Farm Animal Welfare Council – FAWAC, 1979).

As 5 liberdades

Não é algo fácil mas deve sempre ser buscado

Deve-se entender que não é algo simples contemplar na plenitude, as 5 liberdades em animais de produção mas, devemos buscar o máximo de eficiência na busca do cumprimento de cada uma delas, sempre beneficiando o animal, entendendo que dessa forma, será natural que o retorno ocorra através da melhoria dos índices de produção e também dos índices econômicos da propriedade.

Cuide, pois as vezes a melhoria pode estar um pouco camuflada e se torna imperceptível como efeito de ações que gerem o bem-estar animal. Por exemplo, uma ação simples de melhorar o equilíbrio ruminal através da dieta, pode até gerar um aumento em litros de leite produzido ou em percentual de sólidos, só que muitas vezes não será percebido esse aumento, pois não é da prática da propriedade, aferir regularmente esses itens citados.

Em muitas situações, as ações que buscam o bem-estar animal em vacas leiteiras não necessitam de grandes investimentos ou geração de “custos”, apenas observação e implementação de manejos ajustadores.

Dor

A dor é um importante sabotador de produção, principalmente pelo fato de que ela interfere na capacidade produtiva do animal e, é muito difícil do produtor de leite conseguir mensurar o impacto.

  Quando falamos em dor, precisamos entender que ela pode interferir de mais de uma forma diferente mas, que qualquer forma, sempre terá impacto negativo sobre a capacidade produtiva leiteira do animal.

  Basicamente, a dor apresenta três efeitos principais sobre o animal, entre os quais pode-se citar:

Redução de consumo;

Alteração hormonal pela adrenalina, que impacta na circulação sanguínea;

Alteração hormonal pelo estresse, através do efeito do cortisol.

  Quando citamos a dor como sabotador, precisamos entender de que forma podemos melhor identificar processos dolorosos nos animais e, torna-se ainda mais importante que o diagnóstico seja feito o mais precoce possível.

Em bovinos leiteiros, muitas podem ser as causas de dor, entre as quais podemos citar os problemas dentários (fraturas, perdas dentárias), o timpanismo (empanzinamento), as mastites (principalmente as clínicas) mas, sem dúvida alguma, a principal causa de dor em propriedades leiteira são os problemas de locomotores (problemas de patas) que podem interferir de forma direta ou indireta.

   Se pensarmos, uma vaca somente se alimenta em pé, ela precisa se deslocar para poder se alimentar ou beber água. Portanto, qualquer grau de dor já vai ter a interferência direta sobre o consumo de alimentos e os efeitos antes citados de alteração hormonal (Adrenalina e Cortisol).

  Por isso, é fundamental que a identificação de processos dolorosos seja uma preocupação constante do produtor. Primeiro pelo princípio ético básico de que esse animal está sob seus cuidados, e segundo, porque o processo doloroso está atuando como um sabotador que você não consegue identificar e mensural a perda que está ocorrendo.

   Quanto será que está reduzindo a produção de leite? Será que está alterando a síntese de sólidos?

   Ainda considerando a dor em bovinos, temos um agravante pois, esse animal por ser uma presa, é de sua característica natural de sobrevivência, “esconder a dor”. Dessa forma, torna-se claro que, quando conseguimos observar e configurar processos dolorosos em bovinos, é porque o processo já está bem avançado e, o grau de cronicidade como sabotador também já é evidente.

Nesse quesito, devemos descrever e observar as principais alterações comportamentais que visualizamos, são inicialmente, os comportamentos fisiológicos de vocalização constante (também pode ser medo), contorção e sinais constantes de fuga. Avançando na dor, o animal pode mudar o comportamento e demonstrar apatia e redução de princípios básicos naturais como ingestão e movimentação.

   Uma demonstração que pode passar desapercebida pelo produtor é o movimento contínuo com as patas traseiras enquanto a vaca está sendo ordenhada. Ou, o tempo que a vaca passa em pé na pastagem, pode ser um sinal de dor, assim como o tempo que ela fica deitada.

  O que conseguimos entender é que, muitas das demonstrações de dor são sutis e, que dependem muito da capacidade de observação que, quem está com os animais, tenham. Para o controle e diagnóstico de dor nos animais leiteiros, podemos usar de estratégias, as vezes muito simples, para a identificação da dor, entre os quais podemos citar como principal, o ESCORE DE LOCOMOÇÃO que é a forma como os animais se deslocam tentando observar possíveis distorções.

  A avaliação do escore de locomoção deve ser feito diariamente pois, como o produtor se encontra diariamente junto dos seus animais, deve aproveitar sempre para observá-los.

   Mas, o produtor precisa entender que ele vai tentar esconder a dor e, quando ele perceber o animal mancando, já faz muito tempo que esse animal sente dor.  Em um trabalho realizado em fazendas leiteiras nos Estados Unidos, Warnick et al. (2001), concluíram que animais com laminite, pode chegar a uma redução entre 0,8 a 1,5 kg/dia de leite por animal, nas duas primeiras semanas de diagnóstico de dor. Depois, até por uma questão de adaptação do animal ao processo estressor, essa perda diminui mas nunca baixa 0,5 kg/animal/dia de leite.

O Escore de Locomoção dos animais avalia vários pontos importantes, o posicionamento das patas com o animal parado e o animal em locomoção, movimentação de coluna e cabeça.

  Podemos entender que há sistemas diferentes de observação, podemos ajustar qual o melhor sistema para a nossa realidade mas, o que temos que ter claro, em mente, é a necessidade e a obrigatoriedade de identificarmos os primeiros sinais de dor, o quanto antes, para agir imediatamente, sem que deixemos o efeito dor, sabote o nosso sistema de produção.

Medo

O medo exerce um efeito muito semelhante ao da dor nos animais de produção, pois por apresentarem a característica natural de presas, as vacas são animais que sempre estão em estado de atenção.

  Cabe ainda ressaltar que, qualquer ação  aversiva sobre as vacas leiteiras, elas guardam em sua memória e, trazem para a superfície, toda a vez que são submetidas à ações semelhantes.

  Como já foi ressaltado por Temple Grandin, os bovinos ajustam o seu modo de reconhecimento para locais, para odores, para sons e para objetos. Dessa forma, entendemos que a vaca não vai reconhecer um Ser humano específico que lhe causou uma ação aversiva mas, vai reconhecer o local, o determinado som, o vestuário e formar uma “silhueta” da pessoa que fez a ação aversiva e, baseado em estudos comportamentais, guardar essa ação na memória por um longo período de tempo. Por isso, sempre chegamos em uma propriedade leiteira, devemos avaliar a reação dos animais frente a um indivíduo estranho. Se os animais se aproximam (vacas são curiosas), identificam de certa forma, um convívio tranquilo mas, se os animais se afastam, ficam arredios ou apenas um deles se aproxima, isso pode identificar um convívio não tão saudável e que a imposição do medo pode estar sendo a tônica desse sistema de criação

O medo gera impactos semelhantes ao da dor, por controles hormonais e efeitos sanguíneos.

Quando falamos em medo, devemos considerar alguns pontos importantes que, muitas vezes, parece que as pessoas não conseguem perceber.

O primeiro ponto, é a capacidade auditiva dos bovinos que é muitas vezes maior do que a de um Ser humano. Dessa forma um grito e sons extremamente auto pode ser tão aversivo quanto uma agressão física (espancamento). Você pode pensar mas e todo o barulho que tem em uma sala de ordenha (canzil metálico batendo, som da ordenhadeira, som dos ventiladores, o produtor que coloca música com o som muito alto)? Bem, uma condição importante dos bovinos é a de adaptação e, dessa forma podemos considerar que o estresse agudo dos animais vai se tornando crônico e, em seguida vai ocorrendo a adaptação desses animais frente a esse agente estressor. Isso, não quer dizer que podemos deixar assim, temos sempre que melhorar o sistema, diminuir ao máximo os ruídos e sempre que possível, ajudar os animais a adaptar-se ao ambiente ruidoso.

  Por exemplo, quando uma novilha está prestes a parir pela primeira vez e vai entrar no sistema de produção, ela já deve conviver com o processo pois a adaptação desse animal ao ambiente vai ser um fator acelerador do processo, gerando maior velocidade de alcance da capacidade produtiva dessa categoria animal.

  Outro ponto importante que pode ser trabalhado na propriedade é em relação às bezerras, que devem ser manejadas e trabalhadas, já visando uma melhor adaptação do animal ao convívio.

Outro ponto importante de ser considerado é a distância de fuga  e o ponto de equilíbrio.  Esses dois pontos são áreas imaginárias mas que, se respeitadas e bem manejadas, vão trabalhar em favor do sistema de produção.

  Ao compreender a zona de fuga, que vai ser variável de animal para animal e, principalmente respeitando essa zona de fuga e o ponto de equilíbrio, vai diminuir a necessidade de um manejo aversivo, o animal vai responder de maneira mais positiva e, por consequência, vai reduzir o efeito sabotador do medo sobre as vacas leiteiras.

  O produtor deve compreender os animais que ele trabalha, determinar a zona de fuga desses animais, determinar a zona de fuga do rebanho e, entender que alguns de seus animais são naturalmente mais lentos, portanto, precisam contar com a paciência de quem os conduz para um efeito positivo

O entendimento de zona de fuga e ponto de equilíbrio, facilita o manejo.